Pequena discussão sobre língua e fala

Sabemos que nas línguas orais a língua (órgão) é o principal articulador na produção do som. E que nas línguas de sinais o seu principal articulador na produção dos sinais são as mãos. Então você saberia explicar qual é a diferença entre língua e fala? Por que muitos resistem em aceitar a produção de sinais feitos pelas mãos de um Surdo como Língua?

Embora os conceitos entre língua e fala tenham sido definidos por Saussure em 1916, na comunidade surda os termos ganham outros significados. Por exemplo, a fala na área da surdez pode ser considerada o som produzido pelo sistema fonador, independente ser houver verbalização, isto é, o som serve para indicar e apoiar um gesto, não necessariamente representa uma palavra.  No que se refere a língua, temos a LIBRAS como um sistema diferente da língua portuguesa, apesar de falar uso do alfabeto e do idioma. Para ficar em apenas um exemplo, temos o batismo do sinal pessoal. O batismo só pode ser realizado por um surdo. O nome, dentro da comunidade surda, diz respeito à característica mais marcante das pessoas. Isto é, a comunidade observa o comportamento do indivíduo e atribui a ele um nome para ser utilizado dentro do grupo associando assim ao nome da pessoa.

Sendo assim, compreender os aspectos de língua e fala no âmbito da linguagem brasileira de sinais é de extrema importância para não incorrer no ato falho de acreditar que apenas pela aprendizagem de LIBRAS uma criança surda, por exemplo, seria suficiente para que ela interagisse nos mais diversos contextos sociais. Pelo contrário, a discussão precisa avançar para outras questões como o acompanhamento de terapia fonoaudiológica que ofereça estímulos para sistematização da língua oral.  A aceitação ou não da produção de sinais feitos pelas mãos de um Surdo como língua remonta um passado não muito distante que considerava o portador de deficiência auditiva  como doente mental, além do que a filosofia oralista contribui consideravelmente para a produção de uma imagem para os surdos como estrangeiros (no conceito lingüístico) em sua própria terra natal.

Parece haver uma necessidade de que o surdo SE CURE de uma doença, quando na verdade a participação ativa deste na sociedade depende de aceitarmos a produção de sinais feitos por eles como algo normal, além de ser importante que o profissional da área da educação domine tal estrutura lingüista e interaja com este surdo na integração deste como o nosso mundo. Não esquecendo que ao longo da vida, este construiu um mundo de significados que não pode ser esmagado por nossos preconceitos.

Portanto, muitos que ainda resistem em aceitar LIBRAS com língua demonstram como a ignorância empobrece o sujeito. O contesto no qual todos estamos inseridos é um só, o que na verdade existe são múltiplas formas de interagir com este mundo e um portador de deficiência auditiva tem tanto direito quanto os auto intitulados “normais ” de se comunicar e de se expressar fazendo uso da língua que aprendeu, neste caso, com sinais feitos pelas mãos. Enquanto insistirmos em não abranger nossa compreensão de mundo, estamos limitando a atuação dos surdos e alimentado os preconceitos, velhos paradigmas e o mais alarmante: silenciando-os.

 

Bibliografia

GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio- interacionista / Márcia Goldfeld – São Paulo: Plexus, 1997

BOING, Maria Salete. A natureza dos signos da libras : legitimação e linguística da libras enquanto língua.    Lages: Ed. do Autor, 2004.