Humberto Eco em “Em que crêem os que não crêem?” afirma que estamos vivendo, mesmo de forma desatenta, os terrores do fim e, assim o fazendo, celebramos o fim das idelogias e da solidariedade. Sendo assim, cada sujeito brinca com o fim dos tempos ao mesmo tempo em que o exorciza projetando-o em cenários irreais. De certa forma, os autores dos contos sobre o fim do mundo contidos em “Dias Contados” exploram essa projeção com terríveis ambientes e as situações cruéis a que são submetidas as personagens. A organização dos contos, por Delfin e Marks, oferece a oportunidade de visitarmos nossos fantasmas e mergulharmos numa reflexão acerca do tempo e como ele está se acabando. Em última análise, conduz o leitor a responder a simples pergunta: estou preparado para o fim?
Difícil tarefa é produzir uma síntese crítica sobre a antologia “Dias Contados”, pois a qualidade dos contos somada à temática apocalíptica resulta numa obra em que a simples separação ou escala de bons e melhor es é injusta, afinal está baseada em critérios subjetivos. Portanto, destaco os contos a seguir por qualidades que justifico em seguida, guiando-me pelo sentimento despertado quando da primeira leitura de cada um deles, e isto sim é subjetividade.
“Eu ainda estou aqui” e “3h:00”, de César Almeida e Hanna Liis-Baxter respectivamente, possuem estilo e narrativa que flertam com a agilidade dos roteiros cinematográficos. Com cortes rápidos, tal qual edição de vídeo, e cronologia como ferramenta estrutural, facilmente poderiam ser adaptadas para o cinema. Além dessas qualidades, ambos seriam engraçados se não fosse o tema trágico.
“Cela três” de Rosa Maria Martinelli utiliza os porões da ditadura militar para questionar se já não teria ocorrido o fim do mundo. Por outro lado, “O mistério da cartola”, conto de Gery Almeida, descreve o nascimento do Anticristo. Seja pela introdução de personagens importantes como Lord Byron e Mary Shelley em “Relato aos incrédulos” (por Ronaldo Luiz Souza) ou filosofando sobre o funcionamento do mundo (“Imundo” de René Moraes), a escolha dos contos é acertada, pois foge dos maniqueísmos e senso comum em relação ao fim do mundo.
Rafael Andrietta sugere em “Serpente de aço” o tema catastrófico como argumento para um possível resgate de sentimentos. Passeamos em “A rua Dali”, de B. G. Jimenez, e podemos ver o todo por meio de um ponto focal: a descrita rua. Já Cintia Lira em “Querido Deus” mostra como um pedido pode ser atendido por uma divindidade e, por isso, traz nas entrelinhas o alerta para “o que” e “como” pedimos favores divinos.
Trabalhando dimensões sobrenaturais, “Salmo 90:4” e “Sétimo dia”, de Alvaro Moreira de Carvalho e Rodolfo Pomini P. de Lima respectivamente, exploram uma reunião de deidades e os elementos sobrenaturais que povoam o imaginário popular. Além destes, como enxergar o fim do mundo pelos olhos de uma aldeia tribal? É justamente o que aborda “Invisibilidade” de Rocha, E.R.
De fácil leitura, “Dias Contados” é ideal para quem quer ir além dos esteriótipos e imagens “clichês” sobre o fim do mundo. Em contrapartida, serve como introdução do tema ficcional até mesmo para crianças e adolescentes. A editora Andross já possui o volume II dessa antologia, sinal de que o interesse pelo gênero não se esgota, visto que trabalha temas que sobreviveram ao tempo e a muitas catastrofes. Apreciar cada momento que vivemos aqui, sabendo que a qualquer minuto isso pode acabar, é o que impulsiona o homem a exercitar seu maior dom: imaginação.
Editora Andross: www.andross.com.br
fev 18, 2011 @ 16:56:05
Fiquei com vontade de ler. É bom mesmo abner?
fev 21, 2011 @ 12:13:36
será q isso tudo vai acabar msm?
mar 02, 2011 @ 14:29:15
Poxa, agora até eu estou querendo ler, a resenha ficou muito boa, bem escrita, centrada e, principalmente, instigante *-*
Lerei, graças a vc. Depois tomarei a liberdade de postar o link dela lá no Tower
beijos ;*